sexta-feira, julho 29, 2005

Cansaço

Se disser que estou cansado, não me leves a mal.
Venho de muito longe e tenho os pés doridos
de caminhar, na busca de sentido
para as coisas que a vida me depara.

Houve um tempo em que tive as íntimas certezas
de quem crê que o esperam etapas sobre etapas
e as vencerá a todas, uma a uma,
galgando muros e explorando veredas.

Foi tudo tão veloz e tão disperso
que nem dei pelas ervas, as daninhas ervas
que, ao fim, me distraíram de quem era,
irrompendo no meio da seara
que com as próprias mãos eu semeara.

(2005)

terça-feira, julho 26, 2005

Desamor

Tempo de desamor,
cinzento e inimigo,
tempo de ácidas nuvens carregadas
de escuridão e incerteza,
tempo de abismos e ausência,
sem luz nem transparência.

Apenas um sorriso de criança
ainda dá lugar à esperança.

(2005)

domingo, julho 24, 2005

Diferença

Ninguém é repetível. Cada um
transporta o próprio sofrimento
e nem por um momento
se iguala a mais nenhum.

É a diferença que nos dá
a alegria sem preço
de sermos fim e começo
de tudo o que há.

(2005)

segunda-feira, julho 18, 2005

O coração

Não se deve esquecer o coração algures,
numa praia deserta ou num jardim público.
O coração tem regras,
embora nem sempre traga manual de instruções.

Já uma vez me esqueci do coração,
numa noite de Inverno, em plena praça,
fechados os cafés e restaurantes.
Chovia a bom chover e nem dei por isso.

Vieram trazer-mo a casa envolto numa estrela,
o que, evidentemente, agradeci.

(2005)

sábado, julho 16, 2005

Talvez

Talvez o fim não seja o fim e ainda
haja mais qualquer coisa além do fim.
Talvez ao fim da noite que não finda
haja um dia sorrindo para mim.

(2005)

quinta-feira, julho 14, 2005

Momento

Eu quero lá saber donde vieste,
só me interessa o mistério do teu corpo,
o sol que se derrama do teu rosto
e penteia os anéis do teu cabelo.

Eu quero lá saber para onde vais,
só me interessa o segredo dos teus olhos,
o verde-azul que neles se desdobra
e revela os recantos da tua alma.

Eu quero lá saber, eu quero lá
desvendar-te os caminhos do passado
e o que pensas fazer depois de mim.

Só me interessa a alegria que me dá
ter-te aqui sem mentira nem pecado
e sonhar que o momento não tem fim.

(2005)

terça-feira, julho 12, 2005

Perguntar

Tudo o que sempre fiz foi perguntar.
Jamais qualquer interesse me moveu
que não fosse o de tentar
saber quem sou eu.

Tendo a dúvida por lema,
vi passarem tão rápidos os dias
que nada mais me resta além do poema
com que iludo as mãos vazias.

E, no entanto, algo me impele
a perguntar, a sempre perguntar.
Não sei vestir outra pele
nem é outro o meu olhar.

(2005)

domingo, julho 10, 2005

Por cada hora

Por cada hora ganha para a vida,
por cada novo passo dado em frente,
por cada letra que faz a palavra,
por cada verso inscrito no poema.

Por cada beijo que nos coube em sorte,
por cada dia conquistado à morte.

(2005)

quarta-feira, julho 06, 2005

Mil vezes

Já te disse mil vezes que te amo
e mil vezes duvidaste.
Fazes tu muito bem.
Também eu dia a dia te reclamo
tanto amor quanto me baste
e nada me detém.

Sou um pobre poeta siderado
pela luz que despenteia
os cabelos do mar.
Já dei por mim insone e deslumbrado
ante a simples ideia
de que hei-de madrugar.

Mas só o que me incendeia
é o sol do teu olhar.

(2005)

domingo, julho 03, 2005

Fogueira

Acendemos na noite uma fogueira ansiosa,
na esperança de um navio que nos aviste.
Somos feitos da massa de quem ousa,
de quem não se acomoda, antes resiste.

Mas, após a tempestade,
a única certeza que guardamos
é sabermos que apenas é verdade
o passado que inventamos.

(2005)