segunda-feira, dezembro 19, 2005

Natal

Não houve outro Natal que me fosse mais propício:
era Março, não Dezembro, e a cidade
acordava por entre o nevoeiro
mais denso de que me lembro.

A mãe levantou-se cedo, como de costume,
e tratou das rotinas da casa.
Depois, foi até ao nosso quarto
e disse-me baixinho: é a hora.

O carro afrontou veloz o nevoeiro,
vencendo ruas e avenidas,
eu ao volante, a mãe à janela
indicando-me o caminho,
indiferente à dor, a qualquer dor.

E quando, mais tarde,
te apertei contra mim pela primeira vez,
é certo que não vi estrelas
nem anjos a adorar-te, mas senti
que te iria amar
para o resto dos meus dias.

(2005)

terça-feira, dezembro 13, 2005

Sede

Saio à rua sedento do teu rosto
e apenas surpreendo nas esquinas
o rastro da tua ausência.

Não sei de ti, não dou por ti.
Falta-me a tua voz,
sem a qual não irei adormecer.

Pergunto-me onde estás, onde andarás,
em que nuvem te diluíste
ou que vento te arrastou
a que paragens e perigos
nascidos do meu medo.

(2005)

sábado, dezembro 10, 2005

Mil e uma noites

A poesia não é certamente
um conto das mil e uma noites,
mas a verdade
é que o fármaco milagroso
vai prolongando os meus dias.

(2005)

terça-feira, dezembro 06, 2005

Enquanto

Enquanto ainda não é noite, enquanto
o sol resiste à sombra dos valados,
enquanto aguardo o teu regresso, enquanto
me desgasto entre a ânsia e o cansaço.

Enquanto o dia permanece, enquanto
tudo pode voltar ao que foi dantes:
aquele encanto que era nosso enquanto
não cedemos à fúria do instante.

Enquanto ainda há luz, enquanto
o crepúsculo ainda não é pranto.

(2005)

sexta-feira, dezembro 02, 2005

O coração

Ouve bem o coração, não deixes
que o seu bater se confunda
com o ruído circundante.
De nada servirá viveres
se não souberes distinguir
o ritmo dessa batida.

Ao contrário do que se diz,
nem tudo vale a pena,
por maior que seja a alma.
Há coisas que convém
pôr de lado e esquecer,
mas jamais o coração.

O que ele dita e a gente segue
não tem arrependimento.

(2005)