sexta-feira, setembro 30, 2011

Nevoeiro

Avenida da Torre de Belém
Inventei para o resto dos meus dias
o medo de vir a ficar sem ti
e assim sofrer de mãos vazias
noites ainda mais frias
que as noites que já sofri.

Deixa-me então seguir primeiro
para a casa do grande nevoeiro.

segunda-feira, setembro 26, 2011

Vendaval

Acrílico sobre tela, 2004
Não é o corpo, não, que o corpo ainda
responde ao que lhe pede o coração,
mas uma dor tão funda que não finda
e se faz de silêncio e solidão,
como se andasse a alma desavinda
do mundo que lhe coube, esta prisão
de nervos, ossos, veias e tendões
sujeita ao vendaval das emoções.

quinta-feira, setembro 22, 2011

Lisboa sempre

Miradouro de São Pedro de Alcântara
Cavalga o dorso da manhã,
ombros ao sol e cabelos ao vento,
e o seu corpo, meloa temporã,
é um deslumbramento.

segunda-feira, setembro 19, 2011

O indizível

Largo dos Duques de Cadaval, ao Rossio
Nós falamos de amor, mas em verdade
o amor não se explica, o amor é,
mais do que carne, uma questão de fé,
o indizível fluir da eternidade.

A pele contra a pele, a sequiosa
boca buscando a água de outra boca
e o mistério de tudo, a quase louca
ânsia de entrega cega e luminosa.

Nós falamos de amor, mas não sabemos
nada do amor, apenas tacteamos
a superfície daquilo que amamos
e logo abandonamos e esquecemos.

quinta-feira, setembro 15, 2011

Breve e frágil

Terreiro do Paço
O amor pode ser breve, mas desenha
na nossa vida um rasto que perdura
desfiando o novelo da ternura,
pois só ele contém o santo e a senha
para as múltiplas portas que o destino
depara a cada um desde menino.

Além de breve, o amor pode ser frágil
e balançar no ciclo das marés
que preenchem o nosso dia-a-dia,
mas é ver como logo fica ágil
e pula, corre e foge a sete pés
do que tenta tolher-nos a alegria.

segunda-feira, setembro 12, 2011

Recomeçar

Estação do Sul e Sueste
Vontade de partir, de largar tudo,
de acordar amanhã num hotel em Veneza,
de esquecer o passado, o futuro, o mundo
e baralhar as cartas expostas na mesa.

Vontade de zarpar, de abandonar
as mínimas coisas algum dia amadas
e procurar no mapa das estradas
o que teima em faltar.

Vontade de abalar sem um aceno
sequer de despedida
e de um modo expedito mas sereno
recomeçar a vida.

quinta-feira, setembro 08, 2011

Insígnia

Praça da Figueira
Não buscarás o fácil, mas somente
o que sabes difícil de atingir.
Caçar o impossível é urgente
porque o resto há-de vir
por mero acidente.

Sonha primeiro com o que está
além de todo o sonho.
Por mais incrível e medonho,
só é real o que não há.

segunda-feira, setembro 05, 2011

O viandante discreto

Lisboa amada
Discreto viandante por países
de longínquos continentes
conheci estranhas gentes
em paragens perdidas e felizes.

Calcorreei veredas e caminhos
de que ninguém alguma vez
imaginou a distância
e galguei pedras e espinhos
para voltar às marés
das doces praias da infância.

Mas foi na enseada do seu corpo
que por fim achei um porto.

quinta-feira, setembro 01, 2011

O coração

Campo das Cebolas
Houve tempo em que hesitava
entre o dever e o prazer
e, após muito escolher,
as mais das vezes errava.

Agora, tudo é diferente,
já não hesito, não:
limito-me a ouvir o coração
e sigo em frente.